Ao contrário do que muitos dos seus leitores imaginam, não sente Ana Miranda uma ligação muito estreita com o que poderíamos chamar de História do Brasil. Sua ligação maior, como afirmou em entrevista ao Jornal do Brasil há mais de uma década, é com a “história literária”. Em sua ficção, é claro, a linguagem tem maior importância que a História, e seus muitos romances são a comprovação disso, sejam eles alicerçados em fatos históricos ou não. Assim, movem-se os seus enredos num passado literário brasileiro em que atuam personagens por demais conhecidos: Gonçalves Dias, Augusto dos Anjos, Clarice Lispector, José de Alencar, Gregório de Matos… Ainda na referida entrevista ao Jornal do Brasil, salientou a autora seu especial gosto pela intertextualidade, ponto alto de sua obra.
O poeta barroco Gregório de Matos acabou por lhe inspirar duas obras fundamentais: Boca do Inferno, em 1989, traduzida em muitos países, e esta Musa Praguejadora, outra fortaleza de nossa língua, publicada agora pela primeira vez em Portugal pela Rosmaninho.
Uma narrativa ambientada também em Portugal e trabalhada na fronteira sutil do romance com a biografia. De maneira inconfundível e incontornável, um livro que evidencia as extraordinárias qualidades da autora, já destacadas pela melhor crítica e por muitos de seus colegas de ofício. Ivan Ângelo, por exemplo, referiu-se ao seu “notável talento para meter-se no papel masculino”; Moacyr Scliar, por sua vez, apontou em sua prosa uma sedução que “aprisiona irremediavelmente” o leitor.
Eis a vida de Gregório de Matos por Ana Miranda:
o fascínio da literatura e seus inesperados engenhos.
André Seffrin